O mercado das criptomoedas em breve deixará de ser um setor livre de regulamentações.
O governo dos Estados Unidos tem controlado o mercado das criptomoedas, particularmente do “bitcoin”, há bastante tempo. Por esta razão alguns processos legais ocorreram sob as leis antilavagem de dinheiro, contra indivíduos que, supostamente, facilitaram o uso de bitcoins para pessoas que comercializavam produtos ilegais. Alguns proprietários de centros de câmbio de bitcoin foram processados legalmente, apesar de terem declarado não ter ideia de que tipo de produtos estavam sendo adquiridos através da utilização desta moeda. Inclusive, alguns destes foram condenados a quinze anos de prisão por permitir a esses centros de câmbio a facilitação de transações comerciais no site Silk Road.
Estes processos foram um prenúncio da séria perseguição ao setor de moedas virtuais por parte dos órgãos reguladores norte-americanos, e essa perseguição é a principal razão pela qual este mercado já não é o que originalmente estava destinado a ser: um espaço livre de regulamentações. Pelo contrário, a FinCEN (Financial Crimes Enforcement Network) exige que todas as transações em moedas virtuais realizadas por cidadãos americanos estejam sujeitas às limitações da legislação antilavagem de dinheiro, e às licenças comerciais estatais.
Porém, infelizmente, este foi apenas o começo, já que outras causas legais foram abertas contra usuários de bitcoin, o que sugere um exagero de parte do governo norte-americano para com o mercado de criptomoedas. Recentemente, por exemplo, um quiroprático de Luisiana usou suas contas comerciais para vender centenas de milhares de dólares em bitcoins, e por este motivo foi declarado culpado de operar um negócio de serviços financeiros não autorizados.
Este indivíduo também foi acusado de promover “serviços em bitcoins” no site “localbitcoins.com”, um mercado através do qual os usuários compram e vendem esta moeda. Supostamente, o quiroprático, juntamente com seu filho, aceitaram ordens de pagamento, cartões pré-pagos e dinheiro em espécie no valor de mais de 3,5 milhões de dólares, em troca de bitcoins previamente adquiridos no mercado.
Este caso indica claramente a forma peculiar sobre como as moedas virtuais estão sendo regulamentadas. As transações em criptomoedas estão sujeitas às leis federais anti-lavagem de dinheiro, pelas quais os comerciantes são obrigados a verificar a identidade de seus clientes da mesma forma que os bancos.
Como se isto fosse pouco, ainda não há um conceito claro de como serão tributadas as transferências em criptomoedas. Mais uma vez, o governo dos EUA é pioneiro neste assunto.
A IRS (Internal Revenue Service) considera que a criptomoeda é uma “propriedade”, e, portanto, não uma moeda. No comunicado “2014-21”, esta instituição do governo expressou pela primeira vez sua posição com relação às criptomoedas, declarando que “as moedas virtuais são consideradas uma propriedade pela comissão tributária federal dos EUA”, e que, por conseguinte, “os princípios gerais de tributação aplicáveis às transações de propriedades ou bens, se aplicariam igualmente às transações em criptomoedas”. Isto significa que estas moedas estariam sujeitas à tributação sobre os ganhos de capital a curto prazo (em outras palavras, um simples imposto de renda), ou a longo prazo, dependendo da quantidade de tempo em que a moeda tenha estado em poder do vendedor.
As autoridades fiscais, tanto do Canadá como do Reino Unido, adotaram a mesma postura que a IRS, enquanto que outras jurisdições, como a Austrália ou Japão, decidiram que as moedas virtuais devem ser tratadas como qualquer outra moeda emitida pelo estado. O governo japonês foi o primeiro a adotar esta postura em 1° de abril de 2017, enquanto outros países ainda não haviam tomado uma decisão a respeito.
Se na Europa, por exemplo, as moedas virtuais fossem consideradas como propriedade, estas estariam sujeitas ao IVA. Portanto, as criptomoedas estariam sujeitas ao pagamento de IVA ao serem compradas, depois, novamente ao serem trocadas por algum bem ou serviço, e, por fim, mais uma vez na hora de vendê-las ou utilizá-las para a compra de um produto. Neste caso, uma única transação geraria uma tributação dupla ou até tripla.
Apesar da postura da IRS com relação a este tema, outros órgãos reguladores norte-americanos tornaram pública a opinião de que a criptomoeda pode chegar a ser outra coisa além de um bem ou uma moeda. Além disso, a Comissão de Valores Imobiliários dos EUA, mais comumente conhecida como SEC, em uma carta do presidente desta comissão, de 11 de dezembro de 2017, afirmou que “embora chamemos um produto de moeda, ou o consideremos baseado em uma moeda, isso não significa que o produto não seja simplesmente um valor financeiro”. Dada a possibilidade de revender as criptomoedas no mercado secundário por um valor maior do que o da compra, isso coloca as mesmas como um “valor”. O presidente da SEC começou sua carta da seguinte maneira:
“Solicitei à Division of Enforcement da SEC, que continuem a acompanhar este assunto de muito perto, e recomendo que hajam represálias contra aqueles que ofereçam câmbios monetários que violem as normas de segurança federal.”
Enquanto isso, a SEC foca no processo chamado de ICO (Inicial Coin Offering), através do qual as empresas iniciantes no câmbio de criptomoedas reúnem fundos. A SEC está tentando esclarecer se as transações que ocorrem dentro das ICO devem ser registradas como um bem a obter, o que é uma medida ainda sem precedentes no âmbito das criptomoedas, ou se estas moedas podem ser contempladas sob algumas exceções como, por exemplo, a regulamentação D, de acordo com a qual algumas empresas podem realizar transações comerciais sem registrar seus bens na SEC, desde que cumpram com os requisitos necessários. Qualquer uma destas duas opções resultaria na limitação do número de pessoas autorizadas para tais transações, e na drástica redução dos mercados emergentes de criptomoedas, como por exemplo o Coinbase. Aparentemente, o diretor da SEC estaria a favor desta última opção.
Outras entidades como a CFTC (Commodities Futures Trading Commission), manifestaram sua intenção de regular as criptomoedas. O diretor desta entidade, Christopher Giancarlo, declarou em resposta à carta do diretor da SEC, em dezembro de 2017:
“As moedas virtuais são diferentes de qualquer produto com o qual a CFTC tenha lidado até agora…”
Enfim, provavelmente é o Congresso que tenha a última palavra em relação a este assunto. Recentemente, o Projeto de Lei S1241 acrescentou cláusulas à atual legislação antilavagem de dinheiro, de acordo com as quais as criptomoedas se juntam aos conceitos de contas e relatórios financeiros. Desta forma exige-se que tanto os donos como os usuários de moedas virtuais se reportem perante a FATCA (Foreign Accounts Tax Compliance Act).
Enquanto isso, o referido Projeto de Lei é apenas um projeto, mas é só uma questão de tempo até que a lei se constitua como tal, e, consequentemente, todas as transações e contas que envolvam criptomoedas tenham que ser comunicadas. Logo, o formulário de declaração de impostos 1040 será só o começo dos mecanismos do estado para impor o pagamento de impostos, e tanto os geradores como os usuários de criptomoedas terão que se submeter às mesmas regras que os bancos e as agências corretoras, no que diz respeito à obrigação de compartilhar as informações de seus clientes.
É só uma questão de tempo até que leiamos no Wall Street Journal sobre uma ação judicial a partir de uma evasão fiscal em massa, cometida por algum usuário de bitcoin que não cumpriu com os determinados requisitos tributários. A IRS usará isso, sem dúvidas, para fazer com que o resto dos usuários de moedas virtuais cumpra voluntariamente com as legislações impostas.
As criptomoedas podem vir a ser o futuro do dinheiro, embora muitos dos aspectos deste “novo dinheiro” permaneçam sem solução. Uma coisa é certa: esta ambiguidade não alivia a necessidade de declarar corretamente os lucros gerados através das transações em bitcoins, ou com a especulação do seu valor. A recente intimação ao Coinbase tem como objetivo revelar as identidades de 15 000 detentores de contas para a IRS, por exemplo, e esta é apenas a primeira ação entre muitas outras neste sentido. Quanto mais cresce o valor das criptomoedas, mais dura será a perseguição e mais amplo o objetivo da IRS e do Departamento de Justiça.
Existe uma solução?
Embora seja cedo demais para dar uma resposta definitiva, a primeira coisa que um indivíduo que obtém uma boa fonte de lucro através das criptomoedas deveria fazer, seria estabelecer a sua empresa em um território low tax ou até mesmo zero tax. Existem muitas jurisdições que permitem o câmbio comercial em bitcoins sem cobrar imposto sobre os ganhos. Uma dessas jurisdições é Vanuatu, na qual o bitcoin é considerado como um valor financeiro. A outra é o Panamá, onde o bitcoin certamente entraria na categoria de valor de câmbio ou de transmissão de dinheiro. Com a fundação de uma companhia dessas características e, especialmente na área livre, é possível minimizar virtualmente todos os impostos sobre o capital gerado no exterior. Devido ao fato de que a venda de bitcoins é realizada principalmente para indivíduos fora do Panamá, só seria necessário estruturar a companhia de maneira apropriada e, assim, ter acesso a este benefício.
Com o propósito de evitar qualquer problema com o fisco sob as leis dos EUA ou de outros países, a companhia deve pertencer a um fideicomisso ou fundação, de tal maneira que os donos da mesma possam obter dividendos, mas, ao mesmo tempo, estar isentos de tais problemas.